Ela lê e não consegue deixar de contradizer cada frase do livro.

“A vida se transforma rapidamente”. Mas você sempre é capaz de retomar o controle, momentos depois de qualquer guinada.

“A vida muda num instante”. Mas você sempre terá dias, meses, anos à sua frente.

“Você se senta para jantar e a vida que você conhecia acaba de repente”. Mas não a sua vida. Sempre a vida dos outros. E nunca dos “seus” outros. Apenas dos outros que orbitam em torno de desconhecidos.

Em suas mãos, um livro sobre perdas. As imensas. Aquelas que te arrancam certezas, esperanças, paz de espírito. Sabe que o escolheu a dedo. Aquele é o relato de uma mulher em sua busca por desvendar o horror causado pela morte de um ente querido. Parece-lhe um dos livros mais honestos que já leu, em sua tentativa de elaborar o inaceitável. Sem autopiedade, receitas ou desvios.

Apesar disso, um texto comovente sobre como o inimaginável consegue atordoar mesmo o mais racional dos seres. Sobre como somos levados a usar qualquer ferramenta na tentativa de chegar ao outro lado. Sobre acordos com Deus, o Universo ou nosso próprio entendimento. Sobre a barganha em troca do instante anterior à nossa queda no abismo.

O “Olho de Livreira” identificou:

“O ano do pensamento mágico”, de Joan Didion. Editora Nova Fronteira.

Ilustração:

Francis Manfredi

O “Olho de Livreira” brinca com um hábito que os “apaixonados pela leitura” conhecem bem. A mania de tentar descobrir qual obra está sendo lida por qualquer pessoa que se aproxime com um livro. Aqui, o olhar se amplia e a Livreira tenta imaginar não só os títulos, mas quais os pensamentos e sensações de seus leitores. Uma espécie de resenha elaborada a partir do ponto de vista de personagens fictícios: leitores ilustrados por diversos artistas.

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